Não importa qual seja seu esporte, você se torna mais rápido, resistente e eficiente ao incluir a corrida em sua rotina de treino.
O que jogadores de futebol, tenistas, pilotos, remadores, surfistas, lutadores e vários outros esportistas profissionais têm em comum? Todos correm — e não estamos nos referindo apenas àqueles minutinhos de aquecimento. Por sua grande capacidade de ampliar a resistência e a velocidade de recuperação após um esforço intenso, a corrida é a primeira atividade lembrada no período de base de treinamento, para colocar qualquer um rapidamente em forma. “E com uma boa base aeróbica fica mais fácil assimilar outras variáveis do condicionamento e específicas para cada esporte, como coordenação, potência, velocidade, equilíbrio, agilidade”, diz o fisiologista Rogério Neves, diretor médico do Sportslab – Laboratório de Performance e Clínica de Medicina Esportiva, de São Paulo.
A seguir, mostramos como a corrida pode ser benéfica para alguns esportes e como você também pode incorporá-la como complemento a seu treino principal. Antes de incluir uma nova atividade física no treinamento, porém, é importante ajustar os períodos de descanso e a alimentação. “A corrida promove um alto gasto calórico que precisa ser dosado para que o treino complementar não se torne concorrente. Sem o aporte necessário de nutrientes, o indivíduo pode perder massa muscular e prejudicar o seu rendimento no esporte principal”, afirma o fisiologista.
Futebol – Por que correr
Por partida, um jogador chega a percorrer de 8 a 15 km, dependendo de sua posição e do clima do jogo. Na final da Copa, o meia espanhol Iniesta, responsável pelo gol da vitória da Espanha contra a Holanda, na África do Sul, correu exatos 14028 metros durante a partida, sendo apenas 5937 metros com a posse de bola. “Laterais e meio-campistas têm deslocamento maior que zagueiros ou atacantes”, explica Venâncio Moreira, preparador físico do clube Monte Azul, com passagem pelo Juventus e Ponte Preta, em São Paulo.
Ainda na final, segundo a Fifa, a maior velocidade alcançada pela Espanha foi a do atacante Carles Puyol, que chegou a 28 km/h em um sprint. “O futebol é um esporte predominantemente aeróbio nos passes e deslocamentos de baixa intensidade, mas com estímulos anaeróbios durante as jogadas rápidas, como nos arranques, chutes e saltos”, afirma o fisiologista do exercício Paulo Roberto Santos-Silva, do Grupo de Medicina do Esporte do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas de São Paulo. Ele foi o responsável por uma pesquisa realizada em 2009 com 60 jogadores da primeira divisão do Campeonato Paulista, que avaliou a importância do limiar 2 (ponto em que a concentração de lactato se torna maior que sua remoção, determinando o início da zona anaeróbia) e do consumo máximo de oxigênio (VO2 máx).
“Existe a crença de que o metabolismo aeróbio seria menos importante porque o futebol vem sendo jogado com mais velocidade. Mas o futebolista profissional depende do metabolismo aeróbio em torno de 85% a 90% do gasto energético do jogo. Isso porque ele tem de dar suporte para a longa duração da partida e restaurar rapidamente a energia ATP/CP, aquela liberada por reações químicas no músculo, de curta duração, para permitir a pronta contração em momentos intensos, além de facilitar a remoção mais rápida do lactato produzido nesses lances. O metabolismo aeróbio é um verdadeiro ‘muro de arrimo’. Quando o jogador apresenta um VO2 máx e o limiar 2 baixos, ele não consegue manter o ritmo intenso do jogo”, explica o fisiologista.
A corrida, portanto, é fundamental para aprimorar esse condicionamento. “O trabalho principal é desenvolver a potência aeróbia e anaeróbia, e para isso usamos o treino intervalado, mesclando tiros longos, de 1200 metros, que são ótimos para aprimorar a resistência de jogo, importante para o segundo tempo, com tiros médios, de 300 metros, para aprimorar a velocidade, seguidos de trote regenerativo”, diz Moreira. Para o atacante do Santos, Marcel Ortolan, 28, os tiros são considerados um dos momentos mais importantes do treino. “Chego a fazer de três a quatro vezes por semana, em arranques de até 50 metros, para ganhar força e potência que a minha posição exige. Mas gosto também de uma corridinha mais leve, embora acabe fazendo isso mais na pré-temporada. Quem sabe uma hora não participo de uma prova de rua?”, questiona.
Corra você
Para que você aguente bem os 90 minutos de jogo e ainda tenha energia para os arranques em direção ao gol, é possível incluir de dois a três treinos de corrida, em dias alternados às partidas com os amigos. “Se ele já tem uma base, é possível começar o primeiro treino fazendo uma rodagem de 45 minutos de intensidade moderada para aprimorar a capacidade aeróbia”, recomenda o preparador físico. O segundo treino pode ser intervalado, com oito tiros de 300 metros, mas faça antes 10 a 15 minutos de trote como aquecimento, além de alongamentos, e no fim, mais 15 minutos de trote regenerativo. “No dia seguinte ao jogo, é possível fazer mais um treino leve de corrida de forma regenerativa”, diz Moreira.
Tênis – Por que correr
A área em quadra para cada jogador se limita a 11,9 x 8,2 metros. Parece pouco, mas nesse espaço cada tenista chega a correr entre 1,2 e 1,5 km por set, que em uma partida equilibrada tem duração média de 30 a 40 minutos. Agora, observe que o tênis, diferentemente de outros esportes, não tem tempo de duração ou limite de pontos estabelecidos. Assim, uma partida pode durar de uma a cinco horas, ou, como visto recentemente em Wimbledon, até três dias, quando uma das sessões durou 10 horas. “O tênis se tornou mais rápido e mais forte nos últimos anos. É um esporte de constantes estímulos anaeróbicos — 70% dos pontos são resolvidos em 15 segundos —, mas também que exige grande resistência física a partir de um bom condicionamento aeróbico, que a corrida pode oferecer”, afirma o doutor em ortopedia e medicina do esporte Rogério Teixeira da Silva, da Federação Paulista de Tênis.
Além de trabalhar os limiares do atleta, importante para que ele se recupere mais rapidamente dos saques e golpes cada vez mais potentes com a raquete, a corrida ainda pode fortalecer a mecânica envolvida nas habilidades de acelerar e desacelerar e fazer mudanças de direção. “No período de base do treinamento ou pré-temporada, a corrida é feita de forma contínua, em rodagens de 5 a 6 km em intensidade moderada. No período específico, usamos muito os treinos intervalados e o fartlek, com variações de velocidade, aceleração e mudanças de direção bruscas, para reproduzir as valências exigidas no tênis. O contínuo nessa fase acaba sendo usado apenas como regenerativo”, explica Cassiano Costa, preparador físico de vários atletas profissionais, entre eles Thomaz Bellucci. “Nunca participei de corridas de rua por falta de tempo, mas gosto de correr. Às vezes os treinos são duros, mas percebo que ela me ajuda a aguentar as partidas mais longas”, diz o número 1 do tênis nacional.
Corra você
Para quem costuma jogar tênis duas a três vezes por semana, é possível complementar a corrida com dois treinos semanais, intercalados, para inicialmente desenvolver o condicionamento aeróbico. “Nos primeiros dois meses, a orientação deve ser fazer corridas continuas por 20 a 40 minutos em intensidade moderada (75% a 85% da FCM). Depois desse período, é possível passar para os treinos intervalados e fartleks”, diz Cassiano Costa.
Segundo o treinador, pode ser interessante tentar reproduzir o padrão de esforço do jogo de tênis no treino de corrida. “O tenista pode observar o tempo de quadra entre cada ponto, game ou set e aplicar isso no intervalado. Um jogo equilibrado tem cerca de dez games. Pode-se fazer então dez ciclos de 3 minutos de corrida forte (85% a 95% da FCM), com 1 ou 2 minutos de descanso”, explica. Segundo Cassiano, tanto no fartlek quando no intervalado, é importante que a corrida forte represente metade ou um terço do tempo total de treino, em relação à intensidade moderada. Já os treinos longos, com mais de 1 hora de duração, não são indicados na fase específica para não prejudicar o treino principal.
Lutas – Por que correr
Nos filmes clássicos de Rocky Balboa, Sylvester Stallone já demonstrava que a corrida para um lutador é tão importante quanto os socos em sacos de areia, quando corria pelas ruas, subindo escadas ou fazendo tiros na praia com seu treinador, sempre embalado pela inesquecível canção “Gonna Fly Now”.
Além de ajudar a controlar o peso, importante para um esporte em que as categorias são definidas pelos quilos dos participantes, e aumentar a resistência para suportar melhor todo o tempo de luta, o bom condicionamento aeróbico conquistado com a corrida age sobre os reflexos e sobre a velocidade de reação do corpo. “Quanto maior a movimentação no ringue, mais a corrida se torna importante. Ela ajuda a dar mais agilidade nos sprints para conquistar uma boa posição na luta ou durante uma sequência de golpes rápidos, por isso é mais usada pelos boxeadores e lutadores de MMA, que estão em constante deslocamento, do que pelos atletas de jiu-jítsu ou judô, que fazem uma luta mais agarrada e no solo”, explica Ítallo Vilardo, preparador físico especializado em combates, do Rio de Janeiro. Na fase específica de treino, ele costuma empregar os tiros curtos, de 100 metros, para aprimorar a velocidade e aumentar o VO2 máximo do atleta.
Para um dos principais lutadores e campeões de MMA (vale-tudo) do país, Ricardo Arona, 31, a corrida é a base de sua preparação física e mental. “Gosto muito de esporte ao ar livre, então aproveito para correr na areia, em subidas em montanhas e principalmente em trilhas que me estimulem a agilidade e me forcem a ficar concentrado no caminho. Penso e visualizo muito minhas lutas enquanto corro”, conta. Seu treino mais frequente é o fartlek, em que ele procura reproduzir o esforço do ringue ou octógono, como é chamada a arena no vale-tudo. “Cada luta tem de três a cinco rounds de 5 minutos cada um, com 1 minuto de descanso. Procuro transmitir isso para a corrida, acelerando forte por 5 minutos e trotando leve, como descanso ativo, por 1 minuto, durante meia hora. Não faço corridas longas para não me desgastar muito para os outros treinos”, diz Arona.
Corra você
Para complementar os treinos técnicos e a musculação com a corrida, visando aumentar a base aeróbia e ganhar mais resistência, é possível acrescentar inicialmente dois treinos de corrida por semana, em dias intercalados. O preparador físico Ítallo Vilardo recomenda a mesma estratégia adotada por Ricardo Arona. “Para lutadores, os treinos intervalados ou fartlek são mais interessantes. É possível começar com três séries de cinco tiros curtos de 20 segundos (corrida a 95% da FCM), com 40 segundos de intervalo de descanso (caminhando ou parado), seguidos de um trote regenerativo (60% a 70% da FCM) para ‘soltar’ a musculatura”, orienta. Segundo ele, é possível ainda fazer um treino de rodagem, “desde que com intensidade e volume controlados, para não comprometer o treino principal”, explica o preparador.
Ciclismo – Por que correr
É muito comum corredores descobrirem a bicicleta e quando menos esperam estão praticando o triatlo, mas a relação entre corrida e ciclismo também ocorre na mão inversa. Muitos adeptos do pedal também fazem uso da corrida como forma de incrementar o condicionamento aeróbico que será exigido na bike, além de aumentar o gasto calórico, visando à perda de peso. “Às vezes fica difícil pedalar nas cidades durante a semana e a corrida se torna a alternativa mais próxima e mais rápida. Quarenta minutos de corrida podem significar 1h30 de bicicleta”, diz Adriana Nascimento, treinadora de mountain bike e ciclismo e nove vezes campeã brasileira de cross-country, entre outros títulos.
Adriana ainda compete e corre por 40 minutos duas vezes por semana. “No mountain bike muitas vezes é preciso correr empurrando a bike em trechos técnicos, com lama ou subidas íngremes. Em competições com chuva, sempre fui considerada favorita por encarar bem o trecho a pé, e para mim a corrida faz diferença nessa hora”, diz a atleta. Já para o ciclismo de estrada, marcado pela alta velocidade e resistência, cada meio quilo a menos pode significar uma grande vantagem para o atleta, tanto que os componentes e a própria bicicleta de speed evoluíram para se tornar cada vez mais leves, assim como seus condutores. “A corrida é a grande aliada dos ciclistas na pré-temporada por permitir uma recuperação mais rápida do condicionamento aeróbico e da musculatura das pernas e por ajudar na manutenção do peso”, diz Ricardo Arap, diretor técnico da Race Assessoria Esportiva, de São Paulo. “Embora isso não seja recomendado pelos livros de treinamento, quando competia no ciclismo eu corria duas vezes por semana para ‘desintoxicar’ a musculatura. Quando não corria, sentia que minha recuperação não era tão boa”, afirma. Segundo ele, o principal cuidado deve ser não exagerar. “A corrida promove uma tonificação da musculatura que pode interferir no rendimento e na agilidade da pedalada”, diz Arap.
Corra você
Para quem quer começar a adotar a corrida em paralelo à pedalada, é possível acrescentar de dois a três dias de treino, em sessões de 45 a 60 minutos. “A quilometragem vai depender da realidade de cada um, mas é possível dividir a programação em um ou dois dias de rodagem contínua e um dia de treino intervalado, mesclando tiros curtos e longos para trabalhar também as fibras rápidas e estimular o VO2 máximo, que são exigidos em fugas, subidas e sprints”, afirma Ricardo Arap. Os treinos de corrida podem ser feitos em dias alternados aos de ciclismo, ou, se não for possível, em um intervalo de 6 a 12 horas de descanso para aqueles mais bem condicionados.
Surfe – Por que correr
Embora o auge para quem surfa seja entrar na onda perfeita, quando isso acontece, não costuma passar dos 2 minutos. Mais de 70% do tempo em cima de uma prancha é feito remando no vaivém atrás das ondas e para ultrapassar a arrebentação. “Quanto pior o nível técnico do surfista, mais ele rema. Assim como no futebol, além da parte aeróbica predominante, o surfe tem picos anaeróbicos, na explosão da remada para entrar na onda”, explica Flávio Ascânio, professor titular de esportes radicais e de aventura do curso de Educação Física da FMU e especialista em esportes de prancha. A corrida, pela capacidade de aumentar os limiares aeróbico e anaeróbico (pontos na frequência cardíaca em que o corpo altera sua fonte predominante de energia no metabolismo), pode aumentar a resistência e a recuperação do esforço entre surfistas. O resultado prático disso: a chance de pegar mais ondas no mesmo espaço de tempo e com menos cansaço.
Mas os benefícios não param por aí. A corrida também pode ser útil para aumentar a consciência corporal e fortalecer mais as articulações das pernas, como os joelhos e tornozelos, em um esporte que prioriza os membros superiores. “O surf moderno tem trabalhado muito com manobras aéreas e isso tem causado muitas lesões nos membros inferiores, quando o surfista cai diretamente no fundo do mar. Os surfistas não estão acostumados com o impacto e acabam sofrendo com fraturas e rupturas de ligamento. A musculação é importante nessa hora, mas a corrida também pode ser muito útil para amenizar esses traumas”, diz Ascânio.
Como é comum surfistas adquirirem lordoses acentuadas nas regiões lombar e cervical da coluna, por causa da postura na prancha, é preciso evitar corridas longas em superfícies duras para não agravar o problema – felizmente, para quem surfa, a areia é o local ideal. Só evite fazer isso nas praias de tombo, muito inclinadas.
“Descobri a corrida por indicação de um amigo, quando passei para o circuito profissional, aos 15 anos. Como o número de baterias por dia de campeonato é maior, precisava aumentar a resistência. Fazia a primeira muito bem, mas costumava me sentir cansado nas outras e o rendimento não era tão bom. Comecei a correr três a quatro vezes por semana e minha evolução foi muito grande”, diz o atleta Alexandre Almeida, o Dadazinho, 35, bicampeão carioca no circuito profissional e bicampeão brasileiro no amador. Quando não está competindo, ele costuma fazer de 10 a 15 km de rodagem no asfalto, à noite, depois dos treinos de surfe. Já no período de competições, ele reduz para dois treinos semanais de 6 a 10 km. “Além do bom condicionamento físico, a corrida melhora o raciocínio e a concentração para observar uma onda e decidir rapidamente a melhor forma de aproveitá-la.”
Corra você
Quem surfa pode tirar proveito não só do mar, para praticar o esporte, mas também da praia, para correr. “Gosto de usar a areia fofa porque permite aprimorar tanto o condicionamento aeróbico como a musculatura das pernas, com menor impacto, sem que o surfista saia de seu habitat natural”, diz Pedro Robalinho, treinador e fundador do Centro de Aprendizagem e Desenvolvimento do Surfe (Cades), no Rio de Janeiro. Pedro orienta os iniciantes nas passadas a começar com 15 minutos de corrida leve, três vezes por semana, em dias intercalados ao surfe. “Nas semanas seguintes, é possível aumentar para até 30 minutos, sendo um dos treinos intervalado. É possível começar com tiros fortes (entre 90% e 95% da FCM) de até 3 minutos, intercalados com 2 minutos de trote”, diz o treinador.
Fonte: Runner’s Wrold
Por Rodrigo Gerhardt | Ilustrações Nik
Link Matéria Completa: http://runnersworld.abril.com.br/materias/corredores/
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